Setembro de 2008. Minha filha recém-nascida e o mundo enfrentando uma das maiores crises financeiras desde muitas décadas. Um dia, já em casa entre fraldas, e-mails e brinquedos, recebo um telefonema de um amigo, bem amigo mesmo, dizendo: meus investimentos em ações estão indo por água abaixo! Tudo caindo! O que eu faço? Vou resgatar.
Como se não bastassem meus clientes, também meus amigos me colocando na parede? Mas, pelo menos, com amigo podemos ser menos cerimoniosos. Não vai resgatar, não! Está maluco? Quando investiu em bolsa não me disse que era para o longo prazo? Mas ele estava mesmo estressado, nem entendi direito o que ele falou, só escutei mais reclamações e notícias sobre o fim do mundo.
Estou indo aí para conversarmos.
No caminho, pensei: como eu poderia fazer meu amigo e muitos dos meus clientes nas crises se lembrarem de que quando investiram juraram e assinaram que o prazo do investimento em ações era longo, que não precisavam daquele dinheiro? Não tive nenhuma boa ideia.
Assim que abriu a porta, ele tinha na mão um extrato atualizado e nele vi aquele mundialmente famoso gráfico de pizza com seus investimentos. Olha, olha aqui! E me apontava a parte vermelha do gráfico (ações), veja quanto minha carteira está caindo.
Sua carteira não está caindo, as ações estão caindo. Longo prazo! Lembra? E ele, de novo, me apontou a pizza. Nesse momento, tive aquela sensação onde tudo para, quando se tem aquela ideia maluca, muito maluca, mas que pode funcionar!
O problema é a pizza, gritei. Quem teve essa ideia de fazer uma pizza com seus investimentos? Gustavo, esse é o extrato do banco e todos, todos os extratos de investimentos têm pizzas, olha, veja. E ele me mostrava pizza atrás de pizza. Por classe de ativos, por volatilidade, por produto.
Mas era tarde demais, eu já tinha decidido que ia falar a minha ideia maluca e fui andando até a cozinha, onde fica sua adega de vinhos (esse meu amigo ama vinhos, coleciona mesmo, e tem uma adega toda organizada que eu conheço bem).
Vamos tomar um vinho, eu disse. Ok, deixa eu ver, deixa eu escolher algum vinho de dia a dia, gostoso, deixa eu ver, tem esse aqui, olha.
Não! Quero algum vinho daquela terceira porta ali.
(Risadas, gargalhadas)
Ah, falou… Você sabe bem que aqueles vinhos não estão prontos, são de guarda.
Mas eu quero, vim até aqui, não preciso beber um vinho bom desses hoje, mas eu quero! Esquece, Gustavo, esquece. Esquece essa porta, nem olha para ela, finge que ela nem existe. Simplesmente não está na hora de tomar esses vinhos.
Entendi, devo esquecer essa porta, não olhar para ela antes de 2013. Então, essa é sua porta de longo prazo! E então, ele entendeu. Emudeceu, sentou-se, olhou para o teto. Olhou para mim e disse: a pizza não faz nenhum sentido!
A partir desse dia, ações para ele e para mim passaram a não mais ser um pedaço de pizza, que mistura dinheiro de todos os tipos, mas sim investimento de guarda, que podemos esquecer que temos, dado que não precisamos dele no curto prazo. Que devemos esperar o momento certo para aproveitá-lo.
Claro que, depois desse dia, elaborei bastante minha ideia de separar completamente os investimentos pelo prazo de cada um, sem misturá-los. Organizei meus investimentos com essa nova lógica e percebi que a variável mais importante para um bom planejamento financeiro e de investimentos – o tempo – no mundo das pizzas não aparece, não é levado em consideração.
Claro que quando te mostram tudo misturado numa pizza e você vê seu portfólio como um todo caindo, fica nervoso, angustiado. Mas, e se tiver quatro portfólios – dia a dia, curto prazo, médio prazo e ações – totalmente independentes e com objetivos e fatores primários de decisão completamente diferentes e, na crise, apenas os últimos dois tiverem caído, aqueles que você separou para daqui três e cinco anos?
Suas reservas de dia a dia e seu dinheiro para o curto prazo – portfólios que focarão em liquidez, baixo risco estrutural e baixa volatilidade – estarão preservadas e seguindo o plano inicial. Isso, garanto, dará conforto e tranquilidade, pois entenderá que os portfólios que caíram são justamente aqueles que, no plano inicial, incluem volatilidade maior, ou seja, tudo ok!
Este ano uma nova crise global derrubou os preços dos ativos ao redor do mundo todo em razão da alta de juros e guerra. Novamente vejo muitos investidores nervosos, tensos, olhando suas pizzas e resgatando seus fundos de ações.
Meu telefone, num dia em que a bolsa caiu muito, tocou e era aquele meu amigo. Logo pensei: não pode ser! Atendi já decepcionado e um pouco bravo: alô…
Gustavo, bora tomar um vinho?
*Gustavo Aranha é sócio e diretor de distribuição da GeoCapital.